Transtorno Afetivo Bipolar: Demência ou Alterações de Humor?

É costumeiro ouvirmos, no dia a dia, que um certo indivíduo é “bipolar”, seja quando se comporta de forma passional, quando oscila de humor repentinamente, quando aparece um dia no trabalho muito feliz e no outro triste, acanhado ou irritado.

Enfim, usamos o termo, um tanto de forma pejorativa, para chamarmos aqueles que vemos como “instáveis”.

Mas o que é, de fato, o Transtorno Afetivo Bipolar (TAB)?

O TAB é uma doença psiquiátrica que atrai atenção desde o início da Psiquiatria.

Emil Kraepelin, um dos pioneiros da área, a chamava de “loucura maníaca-depressiva”, ao distinguir esta patologia de sua “demência precoce” (que viria a ser a esquizofrenia) (*); foi um importante passo no estabelecimento da diferença entre psicoses e patologias do humor.

A doença é, portanto, um transtorno do humor.

Isso é importante pois durante crises, eventualmente, o paciente pode apresentar sintomas psicóticos (como delírios e alucinações), mas estes são sempre secundários à alteração do humor.

Sua prevalência pode chegar a 4% da população mundial (semelhante no Brasil), entre todos os tipos, com igual proporção entre homens e mulheres.

Instala-se usualmente na segunda e terceira décadas de vida, mas pode surgir precocemente (geralmente casos mais graves) ou tardiamente (mais brandos).

Tem certa penetração genética, sendo que ter parentes de primeiro grau com essa doença levam a um maior risco de desenvolvê-la.

Quais os tipos de transtorno afetivo bipolar?

Classicamente, há dois tipos de TAB, o I e o II.

O tipo I seria o quadro clássico, com pelo menos um episódio de mania durante a vida e episódios depressivos recorrentes, podendo concorrer com sintomas psicóticos ou não; é o tipo mais grave.

Já o tipo II seria o quadro com episódio de hipomania, associada a episódios depressivos menos graves; como se fosse o tipo I com “menos energia” – uma internação ou sintomas psicóticos não ocorrem aqui.

Recentemente, tem ganhado reconhecimento na comunidade científica o conceito de “espectro bipolar”, isto é, uma gama de quadros que se enquadrariam em uma mesma doença, mas com particularidades entre elas.

Haveria ainda outros tipos, como 3, 4, 5, 6, etc.

Na prática, porém, ainda se trabalha mais com os tipos I e II.

Lembrar que o TAB é uma doença que se apresenta em fases pode ser a melhor forma de ficar atento a portadores da doença.

E o que significa isso?

O TAB não tratado (ou parcialmente controlado) evolui naturalmente alternando períodos de normalidade com períodos (fases) de maior e menor energia (manias/hipomanias e depressão).

Essas fases duram, geralmente, pelo menos uma semana, e pode se iniciar de modo progressivo ou abrupto, secundários ou não a estímulos do ambiente (estresse, privação do sono, uso de substâncias psicoativas, etc).

Como a fase de mania do transtorno afetivo bipolar pode se manifestar?

Sinais que podem indicar uma fase de mania ou hipomania:

  • Se uma pessoa passar a apresentar redução da necessidade do sono sem evoluir com sonolência,
  • Autoestima elevada exageradamente,
  • Comportamento de risco (abuso de substâncias, sexo sem camisinha, entre outros),
  • Comportamento erotizado e inadequado,
  • Contração de dívidas absurdas,
  • Aceleração do pensamento,

Enfim, se essa pessoa passa a apresentar uma energia que não tinha, sustentadamente, perdendo parcial ou totalmente sua funcionalidade, pode-se dizer que está em um episódio de mania ou, se mais brando, hipomania.

Há quadros nos quais além de simples aceleração psíquica, apresenta-se também uma irritabilidade exacerbada.

Transtorno afetivo bipolar ou transtorno depressivo?

Durante os episódios depressivos pode ser mais difícil distinguir a depressão maior clássica (unipolar) do episódio depressivo bipolar.

Algumas particularidades podem ser indicativas do segundo, como recorrência do quadro, a maior gravidade, depressão pós-parto e irritabilidade.

Atentar-se ao histórico familiar também pode ser de extrema importância para o diagnóstico diferencial.

Como são os sintomas psicóticos?

Em relação aos sintomas psicóticos, estes geralmente são secundários ao humor, como dito acima. Isso implica que uma fase com maior energia apresentará delírios de grandeza (“viram” milionários, gênios, celebridades) e religiosos (são anjos, representantes divinos, ou até o próprio Deus, muitas vezes), com alucinações auditivas em que podem conversar diretamente com entidades místicas, por exemplo.

Contrariamente, em períodos nos quais estejam depressivos, caso ocorram delírios, estes podem ser relacionados à morte (vão morrer, já estão mortos, seus órgãos estão podres, etc), com alucinações auditivas em que o diabo lhes maltrata, ou os condena ao inferno.

Como é o tratamento do transtorno afetivo bipolar?

O TAB é tratado, sobretudo, com estabilizadores do humor.

É uma classe de drogas que contém alguns anticonvulsivantes (como ácido valproico e lamotrigina) e um íon, o clássico lítio.

Em alguns momentos do tratamento pode ser necessário combinar o estabilizador com um antipsicótico (como a risperidona, a quetiapina e a olanzapina, principalmente).

No entanto, sempre é preferível o tratamento monoterápico, reservando o uso de duas ou mais medicações quase sempre para períodos de crise.

Há também a opção de tratamento com Eletroconvulsoterapia (ECT), além da psicoterapia como adjuvante.

O que pode significar a falha no tratamento do transtorno afetivo bipolar ou do transtorno depressivo?

Fracasso em diversos tratamentos com antidepressivos de uma depressão presumivelmente unipolar pode ser indicativo de que se trata, na verdade, de TAB.

Antidepressivos também podem, ocasionalmente, levar ao que se chama de “virada maníaca”, isto é, o paciente estava tratando uma depressão e, após apresentar melhora, durante a manutenção do tratamento, começa a apresentar sintomas compatíveis com quadro de hipomania ou mania.

Existe cura para o transtorno afetivo bipolar?

Infelizmente, não há cura para o Transtorno Afetivo Bipolar.

Sob tratamento e seguimento regulares, no entanto, os pacientes apresentam condições de levar uma vida dentro da normalidade.

Respeitar o fato de que são pessoas mais suscetíveis a alterações do ambiente e de que seu comportamento durante as fases agudas é em detrimento de uma doença, e não de sua personalidade, configura uma das melhores atitudes que podemos tomar para reduzir o estigma do transtorno, além de auxiliar o indivíduo na aderência ao tratamento psiquiátrico regular e na conquista de um autoconhecimento que lhe possibilitará levar uma vida digna.

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(Autor)

Pedro Cury Moysés é médico formado pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente é médico residente em psiquiatria do Departamento de Saúde Mental da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP).

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