Infarto Agudo do Miocárdio: Dor no Peito? Coração Sem Oxigênio!

O infarto agudo do miocárdio (IAM) é uma das emergências mais comuns da medicina.

Trata-se da morte de células do músculo do coração que pode resultar em complicações muito graves na capacidade funcional do órgão e até ser fatal.

Estima-se que esta condição afete mais de 7 milhões de pessoas anualmente em todo o mundo (*).

Além disso, o IAM também é a causa de 1 (uma) a cada 3 (três) mortes em países desenvolvidos.

Ela costuma representar o resultado mais dramático de uma sucessão de eventos que agridem o sistema circulatório.

Muitos destes eventos tem origem em fatores que possuem formas de prevenção ou tratamento.

Para esclarecer mais detalhes sobre o infarto agudo do miocárdio, convidamos a médica cardiologista Dra Rayra Pureza para uma entrevista.

Ela trabalha no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, uma das mais prestigiadas instituições especializada na área cardiovascular do Brasil.

O que é o Infarto do miocárdio?

O infarto clássico, quando a pessoa tem dor no peito e vai pro hospital, é aquele em que ocorre um desbalanço entre oferta e demanda.

As pessoas chamam aquilo de “veia entupida”, mas na verdade é uma artéria.

As artérias do coração se chamam coronárias, por onde passa o sangue [rico em oxigênio] para irrigar [suprir] o coração.

No entanto, algumas condições como hipertensão, diabetes, obesidade, colesterol alto (dislipidemia) predispõem a formação de placas [na parede interna] dessas artérias.

Quando essa placa se rompe, ocorre uma oclusão.

Ou seja, há formação de um trombo [um coágulo] que fecha 100% a artéria.

Com isso, não está mais chegando sangue lá no coração.

Portanto, o coração infarta: ele sofre isquemia e necrose.

Isto é, as células do coração, os miócitos morrem.

E isso é o infarto.

Chamamos isso de infarto agudo do miocárdio.

Quais são os diferentes tipos de infarto?

Acho que os diferentes tipos de infarto ficam mais para os médicos especialistas, pois são coisas muito específicas.

Mas eu vou explicar aqui um pouco.

São cinco tipos de infarto (*).

Infarto do Tipo 1

O infarto que todo mundo conhece é aquele do “tive uma dor no peito, eu tinha colesterol alto, fumava, era hipertenso [tinha a “pressão alta”], fui pro hospital, fiz o cateterismo e coloquei um stent.”

Esse é o infarto do tipo 1, que a gente chama.

Nesse tipo de infarto, a coronária obstruiu, então não está chegando mais sangue pro músculo do coração.

Com isso, a oferta de nutrientes e oxigênio zerou para aquela área ali [do coração] para onde a artéria levava sangue.

No entanto, a demanda continua.

Afinal, as células estão ali vivas, coitadas.

Então elas estão querendo oxigênio e nutrientes.

Portanto, nesse caso do infarto tipo 1, isso ocorreu primordialmente por essa placa de aterosclerose (a placa de gordura) que rompeu, fez um coágulo, um trombro e obstruiu.

Infarto do Tipo 2

Todos os outros tipos de infarto também são equilíbrios, mas de formas diferentes.

Por exemplo, o paciente que está com uma sepse, que é uma situação muito grave.

A sepse é a infecção generalizada.

Nesse caso, não há uma boa distribuição de nutrientes e oxigênio para as células.

Para todas as células do corpo, inclusive as do coração.

Portanto, o coração também sofre.

Esse é um exemplo de infarto do tipo 2.

Ou seja, o coração sofre não porque teve uma placa que obstruiu, mas porque está chegando pouco nutriente em todo o corpo.

Nesse caso, o paciente teve uma situação muito grave e o coração acabou sendo um dos órgãos que também sofreu.

Sendo assim, a gente chama isso de infarto do tipo 2.

Infartos do Tipo 3, 4 e 5

Já os outros infartos são muito mais técnicos.

Por exemplo, o infarto do tipo 5 é o infarto relacionado à cirurgia de revascularização miocárdica.

O infarto do tipo 4 é aquele que ocorre após se colocar o stent.

Que é aquela “molinha” que vai dentro da coronária com o intuito, na verdade, de tratar o infarto.

Enquanto que o tipo 3 é aquele em que o paciente evolui para óbito (morte), antes mesmo de você conseguir coletar os exames.

Mas você viu que foi devido ao infarto, por conta do quadro clínico do paciente, dos fatores de risco do paciente.

Então, como eu disse, esses outros tipos são muito técnicos, portanto são mais importantes para o médico, o cardiologista saber.

Infarto do tipo 1 é o que todos devem saber

O que a gente tem que conversar mesmo é sobre o infarto do tipo 1.

Por que?

Pois é fundamental que as pessoas conheçam as manifestações típicas do do infarto, já que diante dessas manifestações elas têm que correr para o hospital.

Quando o paciente chega no hospital, a gente fala muito o seguinte.

Talvez você já tenham até ouvido.

“Tempo é músculo.”

Lembra do infarto do tipo 1?

Temos a artéria coronária que obstruiu.

Se ela obstruiu, não está passando nada de sangue.

E aquele músculo que é irrigado por aquela parte da artéria vai morrer.

Quanto antes a gente chegar no hospital, mais cedo eu consigo abrir de volta esta artéria e fazer o sangue voltar a passar.

Com isso, vamos irrigar o músculo [com nutrientes e oxigênio].

Portanto, tempo é músculo.

Sendo assim, teve aquela dor no peito típica de infarto, então tem que correr para o pronto socorro.

Dessa forma, nós médicos podemos fazer medidas, seja com remédios ou cateterismo e stent para abrir esta artéria e voltar o fluxo para esse coração, evitando a lesão na região.

Quais são as formas de tratamento do infarto agudo do miocárdio?

Existem três formas principais de se reabrir a artéria.

Elas vão depender um pouco conforme a gravidade do infarto.

O mais grave que temos é o infarto com supra.

Ou seja, é o caso que ocorre quando eletrocardiograma aponta uma alteração.

É o caso mais grave.

Esse a gente tem que abrir [a artéria] imediatamente.

Então o que fica de estratégia para este paciente é:

  • Trobólise: uso de um medicamento, chamado de trombolítico, que se injeta pela veia
  • Cateterismo: procedimento que faz incisão através da pele para se inserir um cateter (um tubo) dentro da artéria. Este cateter percorre o interior do vaso sanguíneo até alcançar o coração para se realizar a colocação de stent, uma “mola” que ajuda a manter a artéria aberta.

O trombolítico a gente deixa para se aplicar nos locais onde nós não temos a disponibilidade de cateterismo.

Ou quando não é possível se transferir o paciente rapidamente.

Nesse caso, temos que fazer uso do trombolítico pois precisamos abrir logo esta artéria.

Pois tempo é músculo.

Então você faz usa de um remédio que pode ser, por exemplo, alteplase ou tenecteplase.

São remédios que podem ser aplicados pela veia e que vão dissolver este trombo parado na coronária.

Em situações ideais, como é a realidade de onde eu trabalho, no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, a gente tem o setor de hemodinâmica 24 horas por dia.

Portanto, ali a gente tem o cateterismo com a angioplastia disponível.

Com isso, o infarto com supra vai direto para o cateterismo.

Nesse mesmo procedimento do cateterismo, já se coloca o stent e abre a artéria (angioplastia).

Cirurgia de Resvascularização Miocárdica

Há também outras formas de se abrir (desobstruir) essa artéria que ficam para outros tipos de infarto, ou melhor, outros tipos de síndrome coronaria aguda.

No caso, são para aqueles infartos que não possuem supra de ST.

Ou seja, quando não tem a alteração no eletrocardiograma.

Aqui podemos fazer tanto o cateterismo com colocação de stent quanto a cirurgia de revascularização miocárdica.

Geralmente, quando é um paciente muito grave, que possui muitas artérias do coração
(coronárias) comprometidas.

Com isso, eles não estão em condições de receber a colocação de stent.

Portanto, a gente pode fazer uma cirurgia de revascularização miocárdica que é a boa e velha conhecida “ponte de safena”.

Na verdade a ponte de safena é uma veia que a gente retira da perna e une de uma forma que contorna a parte da artéria que está obstruída, permitindo retomar o fluxo de sangue para a região do coração.

Além disso, existe também o uso da artéria mamária que pode ser usado na cirurgia de rescularização.

Como saber se uma pessoa está tendo um infarto?

Existe aquela característica típica do infarto que é a dor torácica típica.

É uma dor no meio do peito que os médicos chamam de dor retroesternal.

Ela é em aperto, como se estivesse algo prensando.

Os pacientes a descrevem de várias formas diferentes.

Teve um que até me falou: “imagina uma sanduichera que está ali prensando o meu peito.”

Ou então: “É como se tivesse um elefante sentando no peito”.

Enfim, há uma opressão, um aperto no peito.

Essa dor pode irradiar para um outro lugar.

Nesse sentido, pode ser para os dois membros, pode ser para ombros, tanto direito quanto esquerdo.

Além disso, o braço inteiro também pode sentir.

Em geral, há a queixa de que o braço está dormente, cansado, pesado ou doendo mesmo.

Essa dor que começa no meio do tórax (do peito) pode irrardiar também para as costas, para a mandíbula ou até para a região do estômago.

Tipicamente, essa dor piora com o esforço e melhora com o repouso.

Por exemplo, quando o paciente sente a dor no peito e vai caminhar da sala para a cozinha para pegar um remédio ou outra coisa, ele sente mais a dor e, quando se senta, há uma melhora.

Ela também pode ter associação com outros sintomas como:

  • Dispnéia (falta de ar ou dificuldade de respirar)
  • Náusea (vontade de vomitar) ou até mesmo vômito
  • Sudorese (suor)

Vale ressaltar que não é obrigatória a presença de todas essas características.

De qualquer modo, este conjunto que acabei de descrever seria o quadro mais clássico.

Por outro lado, existem alguns pacientes que podem ter o infarto sem terem a dor típica.

Pessoas que podem ter infarto do coração sem dor no peito

Mas quais são esses pacientes?

  • Mulheres
  • Pessoas com idade mais avançada (idosos)
  • Indivíduos com diabetes
  • Pessoas com doença renal (nos rins) crônica

Nesse sentido, esses pacientes podem chegar apenas com náusea, algum mal-estar, uma dor na “boca do estômago” (dor epigástrica).

Também podem chegar só com cansaço, só com mal-estar no peito mas que não caracterizam como dor.

Sendo assim, para esses pacientes nós precisamos ligar a luzinha [de atenção], pois eles podem ter o infarto sem ter aquela dor típica que foi a que eu descrevi agora pouco, ou seja:

  • Dor no peito em aperto
  • Com irradiação para o membro superior esquerdo (ou mesmo o direito)
  • Com dispnéia (falta de ar)
  • Vontade de vomitar
  • Suores

É possível a própria pessoa saber diferenciar um sintoma de náusea comum de um quadro de infarto do coração?

Não é possível assegurar que a própria pessoa vai saber diferenciar uma náusea por outros motivos da náusea que ocorre durante um quadro menos típico de infarto.

Ainda assim, também não estou dizendo que toda vez que sentir náusea é para pensar em infarto.

Em geral, os pacientes até relatam durante um infarto que a náusea que surgiu “foi um pouco diferente e incomodou mais um pouco”.

Mesmo assim, não dá pra simplesmente dizer que o mal-estar ou a náusea não é nada, pois pode ser, principalmente nessa população [que pode ter o infarto sem dor no peito].

Além disso, muitas vezes o paciente se confunde também.

Por exemplo, alguns dizem: “Ah, eu estava com uma queimação no estômago ou no peito, com um pouco de dificuldade de respirar, mal-estar e náusea e achei que não era nada”.

“Até tomei ali um omeprazol (medicamento para diminuir acidez no estômago), mas não melhorou e, por isso, eu vim para cá [ao pronto socorro].”

E quando a gente vai ver o caso do paciente, vemos que é um infarto.

Portanto, essa diferenciação pode ser desafiadora até para os médicos.

Imagine então para os pacientes.

Sendo assim, eu não oriento para o paciente algo do tipo: “essa náusea aqui está mais tranquila, então não é nada.”

Pois para diferenciar mesmo, o médico precisa fazer a anamnese.

Isto é, a conversa com o paciente.

Além do exame físico, um eletrocardiograma.

Com isso, ele consegue diferenciar um pouco melhor.

Exames complementares para identificar o infarto agudo do miocérdio

Às vezes, o médico vai precisar de mais alguma outra coisa pra diferenciar se o mal-estar é um infarto ou não.

Por exemplo, fazer um exame de sangue, uma imagem por raio-x e até aplicar algum score (teste com pontuação de vários critérios) para ir juntando as peças.

Então é desafiador e não é legal o paciente tentar tirar conclusões por conta própria.

Inclusive, muitas vezes encontramos pacientes que tiveram queimação no abdome, dizendo que não vieram antes pois achavam que era do estômago, mas era um infarto [do coração].

Por isso, é importante ficar alerta, mas não se desesperar.

Qual a pressão arterial em uma pessoa que está tendo infarto agudo do miocárdio?

A pressão arterial pode variar bastante.

O paciente pode chegar hipertenso [com pressão arterial alta], pois está com dor.

Mas também pode chegar com a pressão normal.

E se ele estiver com um infarto muito grave, pode evoluir para o que a gente chama de choque cardiogênico.

Na medicina, o choque é uma situação de falência circulatória [quando o sangue não chega de modo adequado aos diverso órgãos do corpo].

Nesse sentido, uma das manifestações do choque é a pressão muito baixa.

E o médico vai precisar fazer várias medidas para aumentar a pressão do paciente.

Trata-se de uma situação muito grave na medicina.

Portanto, o paciente com um infarto muito extenso, que demorou para chegar no pronto socorro, vai ter uma área que morreu e não é mais reversível, mesmo abrindo aquela artéria que obstruiu.

Isso porque depois de um tempo prolongado, a área que não recebe mais sangue não está somente com isquemia (sem receber sangue), mas sim com necrose (que é a morte celular).

Sendo assim, a gente chama isso de choque cardiogênico, quando o quadro de comprometimento da circulação sanguínea tem origem no infarto do miocárdio.

Dessa forma, pacientes muito graves chegam com a pressão muito baixa.

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(Autor)

Natural de Teresina/PI, Dra Rayra Pureza concluiu curso de atualização em Clínica Médica na Harvard Medical School. É formada pelo programa de Residência Médica em Clínica Médica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Fez a Residência Médica de especialização em Cardiologia pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia (IDPC). Atualmente reside em São Paulo, onde está finalizando a Residência em Cardiologia Intensiva no IDPC. É mestranda no programa de Mestrado Profissional do IDPC-USP em Prevenção, Diagnóstico e Tratamento em Medicina Cardiovascular. Possui mais de 50 trabalhos apresentados em congressos nacionais e internacionais. Atualmente é professora de pós-graduação em Emergências e instrutora de cursos práticos em outros programas. Também atua como preceptora no programa de Residência Médica de Cardiologia do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia.

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